17.4.09

O Paradigma PS2



Um catálogo de jogos rico em quantidade e qualidade, marketing avassalador e mais de 130 milhões de consolas vendidas em todo o mundo (1). Assim se define, numa frase, a PS2.
O sucesso da segunda consola caseira da Sony arrasou com as concorrentes, naquela que foi a geração mais desequilibrada de sempre, no que toca a market share. No entanto, o artigo de hoje visa analisar não o balanceamento demolidor da PS2, mas sim o seu efeito auto-nocivo, no que toca à companhia mãe e ao seu projecto actual: a Playstation 3.

Já se torna um cliché falar-se da crise económica nestes últimos tempos, mas é um facto incontornável que esta tem afectado praticamente todas as indústrias mundiais. À primeira vista, e segundo uma perspectiva puramente analítica, dizer-se-ia que os números não mentem: a recessão económica não tem afectado a indústria dos videojogos(2). No entanto, é preciso contextualizar os números que nos chegam, no panorama actual. Quantas consolas com preço superior a 250€ se têm vendido? Como está o mercado paralelo dos jogos em segunda mão? São tudo perguntas que incitam análises mais profundas e focadas.

Crise económica à parte, a Sony, enquanto empresa no sector do entretenimento, tem que reflectir profundamente nos outros factores que adiam indefinidamente a explosão de vendas da PS3. O paradigma PS2, como defino neste artigo, é, quanto a mim, uma das principais causas para esse atraso. E está directamente relacionada com a satisfação do consumidor. O sucesso da primeira Playstation, bem como da PS2, está directamente relacionado com a "necessidade" de consumo que esses produtos incutiram nos seus targets; primeiro com um novo formato físico (CDs), que permitiu a massificação de FMVs (full motion videos) nos jogos, entre outros pontos fortes trazidos pelo grande salto na capacidade de armazenamento; depois, com outra mudança de formato (DVD), que alargou a utilidade de uma consola na sala de estar, além de ter capitalizado nos franchises que se começaram a construir na geração PSOne. A PS2 representa o ideal de consola, construído nas mentes sonhadoras de muitos jogadores, ao longo das primeiras décadas de videojogos. Uma consola que desbloqueava de vez, através do seu hardware, muitas das limitações impostas em gerações anteriores, ao estabelecer standards dificilmente ultrapassáveis na indústria e um monopólio de exclusivos de qualidade, que eram garantia de boa compra. Assim, a geração actual promete uma vez mais evolução, mas o problema está, quanto a mim, na atractividade dessa proposta. Não me interpretem mal: como possuidor de todas as consolas da geração actual, existe aqui appeal suficiente para um upgrade. Mas eu faço parte de um nicho tecnológico, que as massas definitivamente não acompanham.

Analisando os jogos que mexem com essas massas, não podemos deixar de pensar que a PS3 acrescenta pouco ou nada em relação ao que a PS2 já trouxe. HD é muito bonito, mas precisa de uma televisão recente para ser usufruído, o que na maior parte das pessoas traduz-se na necessidade de comprar uma televisão nova - o dobro (pelo menos) do custo no processo de upgrade. Comandos sem fios são excelentes, de facto, mas o comando em si é praticamente o mesmo da geração anterior. Jogos - aquilo que interessa - mostram um grafismo melhorado, mas convencem pouco no que toca à proposta de diversão expandida. E se as massas adoram um Singstar, Guitar Hero, ou PES, é preciso que estes sejam consideravelmente melhores (ou até exclusivos) na PS3 (ou consolas HD). O que não acontece, pois ao invés das inovações verificadas nos saltos geracionais anteriores, temos agora pequenos liftings que não dão sinal de si autonomamente, necessitando sempre de uma panóplia de publicitários e vendedores para realçar o potencial valor na compra da sua consola.

É impossível falar deste paradigma sem mencionar a Wii. A consola da Nintendo representa, na perfeição, aquilo que pretendo transmitir no texto em relação aos padrões de satisfação do consumidor médio. É indubitavelmente a consola mais vendida actualmente, o que não pode ser apenas fruto do seu preço. Aliás, até já nem é a consola mais barata do mercado (3). No entanto, é a única proposta que apresenta algo consideravelmente diferente, aos olhos de um consumidor, em relação aos produtos que este já possui. Ter uma Wii é diferente de ter uma PS2. A evolução de interface na consola da Nintendo é mais importante do que a evolução gráfica na PS3. É isto que os consumidores nos dizem, com os números de vendas actuais (1).

A Sony fez bem em não abandonar a PS2. Demonstrou uma estratégia que, com maior ou menor nobreza de intenções, caíu bem no goto do possuidor da consola. Bem demais até. O actual dono de uma PS2 que tenha sido seduzido à partida por propostas como Singstar, Buzz, ou Guitar Hero, não encontra (e bem) necessidade de comprar uma PS3, se estes franchises continuam a saír actualizados na PS2. Ao lançar os jogos para ambas as plataformas, a Sony não está a expandir a sua base de utilizadores, mas sim a dividi-la. Porque cada Guitar Hero, Singstar, Buzz, PES, vendido na PS2 representa menos um potencial comprador no imediato da PS3. E sejamos francos: o preço ajuda a isto tudo. A Sony continua a suportar a PS2 não só no software, mas também no hardware, com consolas e bundles a continuarem a ser comercializadas e publicitadas. Na perspectiva do comprador temos um value acrescido na PS2, com excelente relação qualidade/preço da consola e jogos, principalmente os jogos. Os grandes êxitos de uma geração todos disponíveis por 20€, comparados com o preço base de 60-70€ dos blockbusters que saem na PS3...

Sim, provavelmente quem lê este artigo já faz parte do tal nicho que referi anteriormente. Mas pensemos no quadro completo, pensemos nos nossos familiares e amigos menos dependentes de tecnologia cutting-edge: o que é que está aqui em jogo que justifique o upgrade do seu centro de entretenimento?

Alta-definição?



Referências:
(1) Wikipedia. List of best-selling game consoles (citado em Abril de 2009). Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_best-selling_game_consoles
(2) The Economist. Are Videogames Recession-Proof? (citado em Abril de 2009). Disponível em : http://www.economist.com/business/displayStory.cfm?story_id=12815694&source=hptextfeature
(3) Eurogamer. Europe gets Xbox 360 price cut (consultado em Setembro de 2008). Disponível em: http://www.eurogamer.net/articles/europe-gets-xbox-360-price-cut

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