17.3.09

Necessidades das Massas



Perceber as diferenças entre um conceito de um criador e a vontade do consumidor é fulcral para o sucesso de um produto. Ignorar esta dicotomia constitui um dos erros mais cometidos por variadíssimos criadores, da arte à tecnologia.

Serve este artigo para introduzir um dos maiores propósitos deste blog: a minha aprendizagem, enquanto (pseudo) game designer. Se o mundo fosse perfeito e Portugal não fosse Portugal, daqui a 5 anos estaria a contribuir activamente para a indústria dos videojogos, nas áreas de game design e programação. Como isto não se verifica, as minhas "odds" não me favorecem, pelo que precisarei de todas as introspecções e debates possíveis, que potencialmente possam aumentar as minhas chances, nem que seja em ínfimas percentagens.

Voltando à questão em si, o problema parece-me estar no facto de que a maior parte dos criadores passam o seu tempo envolvidos em nichos, em vez de procurarem responder às necessidades de um mercado, aqui e já. Para contextualizar, o nicho das pessoas ultra-dependentes da tecnologia (no qual eu me incluo) nem sempre tem a visão adequada daquilo que se deve produzir, ou para quem devem produzir. Como resultado, temos campanhas publicitárias com orçamentos multimilionários e sem grandes resultados práticos, no que toca a vendas e adopção global das ideias.

Actualmente temos um caso bastante em voga, que ilustra o que quis dizer no parágrafo anterior. A tecnologia de alta-definição (HD) instala-se muito lentamente nas nossas casas - o português comum, por exemplo, não sabe distinguir LCD de plasma - e a (arrastada) adopção das TVs HD que vai existindo tem tanto de necessidade do consumidor, quanto de falta de alternativas, uma vez que as TVs CRT estão em vias de extinção nas grandes superfícies.

A acompanhar esta adopção de tecnologia, temos a potencial transição de DVDs para formatos de alta-definição. Reinam as dúvidas e a desinformação, entre pessoas que só lêem as letras grandes das publicidades e os vendedores que querem escoar o seu stock a todo o custo, em tempos de recessão económica. Veja-se o caso da Playstation 3: o grande público sabe que tem Blu-Ray, mas associa-o ao poder de processamento ou ao grafismo, tudo porque a publicidade convence as massas de que a PS3 é melhor, e é melhor porque tem Blu-Ray. Não estou com isto a querer tirar os devidos méritos que a consola da Sony tem, até porque eu próprio comprei uma, consciente do que a consola podia dar, mas principalmente, consciente de tudo o que são fábulas de marketing. No meu caso, faço parte do tal nicho de tecnófilos, pelo que era de algum modo inevitável que com o tempo viesse a possuir todas as três grandes plataformas do mercado. Mas veja-se o meu caso: comprei uma PS3, já depois de ter uma Wii e uma 360, com o intuito principal de ter uma segunda consola mais virada para ambientes sociais, quer em jogos (Buzzs e Singstars), quer em filmes. Seria a consola perfeita, então, para uma sala, de uma casa maioritariamente povoada por jovens adultos. Os jogos sociais não falharam, mas a PS3 é quase sempre usada para ver DVDs; isto quando alguém não liga um portátil à TV, para ver um DVD-RIP qualquer. Moral da história, como parte integrante de um nicho, ignorei as necessidades essenciais de lazer das massas e no lugar da minha PS3 podia estar perfeitamente uma PS2, que os níveis de satisfação dos meus familiares seriam os mesmos...

E reparem: isto é a minha casa, um local onde há pouca desinformação, no que toca à tecnologia. Ou seja, a falta de informação tem o seu papel, mas o essencial a reter são os níveis de satisfação das pessoas em relação às tecnologias de entretenimento. A Nintendo Wii é líder incontestada de mercado em todo o mundo, mas os tecnófilos tardam em perceber o porquê de tal façanha. As pessoas simplesmente não morrem por HD (há quem só veja séries no Youtube...) e não desesperam por consolas com gráficos melhores (em Portugal joga-se o mesmo PES graficamente há 5 anos, na PS2, ou o caso das inúmeras pessoas que compram uma PS3 e ligam-nas aos "plasmas" por Scart...). Tudo o resto... são nichos.

O exemplo já vai longo, e mais do que o caso concreto, o objectivo aqui é pensar na fotografia completa. Pensar no que comercialmente vende, mais pelos seus próprios méritos enquanto produto, do que pela publicidade que está em seu redor. Às vezes dizem-me que em Portugal é difícil competir com o poderio das equipas criativas das grandes potências, seja qual for a área. Esta mentalidade quadrada pode estar a condenar o processo criativo de muitas equipas portuguesas, logo à nascença. Sim, talvez não tenhamos a combinação de tecnologia/marketing/design para desenvolver o próximo iPod. Mas quando penso em casos como o Tamagotchi (mesmo na sua época), não consigo deixar de pensar que o que nos falta é visão e coragem no processo criativo.

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